De Dentro de mim, 23 de novembro de 1915
Que esta missiva te
encontre em paz e na paz que por aqui é escasso bem.
Os dias de frio estão de
volta, os dias de chuva também, e com a chuva, nas estreitas trincheiras,
enlameamo-nos por fora, e mais triste, meu amor, enlameamo-nos, também, e quiçá
mais, por dentro, e dentro de mim, tenho mais lama que esperança, esperança de
te voltar a abraçar, de passear de mão dada contigo no Rossio lá da nossa
terra, de ouvir as horas toadas pelo sino da igreja onde sonho, um dia, quando
esta guerra sem sentido terminar, casar contigo, de uma forma ou de outra, sei
que o meu regresso acabara por passar pela capela da nossa terra… para
agradecer pela vida, para dizer que sim, no altar, ou num caixão de pinho,
sabemos que voltamos, mas não como voltamos.
Desculpa a tristeza, mas
a chuva, a lama e o cinzento céu fazem de mim “filósofo”, mas sei que me
conheces, e sabes que sou assim, cubro todas as possibilidades, exceto uma vez,
de todas as filhas de tua mãe, não hesitei em entregar o meu coração apenas e
só a ti…
Sabes, estava aqui a
pensar que apenas quero ter contigo um amor simples, sabes, assim… nem muito
grande, nem muito pequeno, apenas um amor, e o amor, para ser amor, deve ser
simples, simples é bom, não achas meu amor?
Sabes, tenho pena de não
haver árvores, gostava de esculpir as nossas inicias e um coração numa delas,
para eternizar o nosso amor, sei que seria uma dor para a árvore, mas menor do
que aquela que sinto por não te ter, aqui e agora, por quase me estar a
esquecer do cheiro do teu cabelo, do toque sedoso da tua pele…
Entre o amor à mulher
amada, e o ódio ao inimigo, que não tenho, porque alguém ama alguém como eu te
amo a ti, numa trincheira do lado de lá, acho que só sinto ódio a quem nos
engajou para esta fratricida demanda, pelo ego, tento manter-me o mais humano e
lúcido, aqui tudo é veneno, é medo, mas tu és o amor… o fiel da balança… da
mina (in)sanidade.
Meu amor, como te disse no
início desta missiva, não quero contigo um amor grande ou pequeno, apenas e só
um amor simples, um amor de lume brando e ameno, mas duradoiro.
Se puderes dá novas aos
meus, diz-lhes que estou bem, afaga os teus lábios na testa da minha velha mãe,
e diz-lhe que estamos a ganhar e que breve regressaremos, que te vá fazendo o
enxoval…
Um beijo deste sempre teu, numa trincheira qualquer, longe de ti, longe de casa, mas no teu coração
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