Das memórias de
maior ternura que tenho na minha vida. Nem todos nascemos em berço de ouro, mas
esse facto, não significa que a vida tenha de ser uma tragédia. Lembro-me de
pedir muito a Deus, quando nas orações da noite, que ele não me fizesse
“langão” quando eu crescesse! Pedi tanto que ele, e ainda bem, atendeu ao meu
pedido. Não sou nem mais nem menos importante, sou eu, e feliz por isso.
Dos episódios que mais me marcaram, tinha eu
11 anos.
O Dinheiro, como
a tanta gente, não era coisa que abundasse lá por casa, a minha maior riqueza e
o meu maior tesouro nesse tempo, e agora, era e sempre foi a minha Mãe, que,
corria o ano de 1981, decidiu, por altura do natal, me levar, pois morávamos
perto, a ver passar um cortejo promovido pela Walt Disney, com todas aquelas
figuras que eu e tantos mais, acreditávamos serem reais.
Lá nos posicionámos, junto à estação velha a
ver o cortejo passar, foi um momento épico! A minha Mãe, pequena em altura, mas
grande e forte de coração e determinação, agarrou-me, furou pela multidão, e lá
me colocou no carro onde ia o Pateta, fiz o resto da Avenida Fernão de
Magalhães agarrado a enorme mão dele, estava ali, com um deles, e nem imaginei
que era um traje, e lá dentro, um homem. Olhava para baixo, e a minha Mãe
acompanhava-me e sorria delirante. Não consigo expressar a minha alegria, sei
lá o que senti. Por fim, tive de apear, mas o Pateta, que o não era, nunca me
largou a mão e mimo-me muito. No fim, disse-lhe que gostava de lhe escrever, se
podíamos ser amigos…não falou, mas acenou que sim, e deu-me uma morada, que
hoje sei que era de uma editora.
Já nos braços da minha Mãe, não cabia em mim
de contente, naquele momento era o maior, porque era amigo pessoal do pateta,
até tinha a morada dele, e isso, perante os meus conhecidos, elevava-me, apesar
da extrema pobreza em que vivia, à categoria de herói.
Alguns dias passados, e de tanto sonhar com o
meu amigo, aquele que não me afastou por ser pobre, por ter um fato do domingo
para ir à missa, ou por ser o filho da mulher da fruta, a feirante, e de ir à
“higiene”, no parque da inquisição tomar banho, decidi escrever. Estava
possesso, queria ir a Disneylândia, só que na altura… só havia na América… não
era barato, mas eu não sabia, sabia que ele era meu amigo, e que podia meter
uma cunha, pensei eu.
Os dias foram
passando e nada, até que me esqueci, de quando em vez, olhava para um recorte
do Diário de Coimbra, onde eu me via numa foto, de mão dada com o meu amigo.
Um dia, e nestas coisas, há sempre um dia,
quando nada o fazia prever, cheguei a casa e a minha mãe, depois de um dia de
feira a vender em Arganil, cansada, pegou-me rápido na mão e fomos em direcção
não sei onde, não me preocupei, ela só me levou sempre por bons caminhos.
Quando dei fé, estávamos nos correios, eu não percebia nada, mas a verdade é
que o senhor trazia com ele uma enorme caixa, e hoje, a caixa, ainda é enorme,
imaginem na altura. A minha Mãe nada me dizia, e eu, nada descortinava.
De volta para
casa, na pequena sala, a minha Mãe começa a abrir a caixa, lembro-me de ver os
olhos dela a abrirem e a sorrirem, seguidos de muitas lágrimas! Estendeu-me uma
carta, que lera num ápice, e disse-me: - é para ti filho, o teu amigo Pateta
escreveu-te…
Agarro a carta e li não sei quantas” ñ” vezes
seguidas, de tal forma que me havia esquecido que havia a caixa, lembro-me de
sentir as lágrimas a caírem-me de alegria pelo rosto, parecia um miúdo…era um
miúdo… era apenas mais um miúdo, para muitos da minha idade, à época, nem era
ninguém, mas era amigo do Pateta….
…mais calmo, o momento de climax, espreitei
para dentro da caixa grande, que ainda hoje é grande… e só vos digo, eu não
pode ir à Disney na altura, mas o meu amigo Pateta, mando-me a Disney até
mim…de brinquedos a roupa, passando por livros e lápis, não faltou nada, até
uma t’shirt da guerra das Estrelas, que hoje, o meu filho com 11 anos, ainda
veste, pois ela, como tudo o resto, ficou como novo, a minha brincadeira,
durante muito tempo, limitou-se a ser ficar sentado a olhar para aquele
magnifico espólio, que provavelmente, nenhum outro menino, mais rico ou pobre
que eu, tinha.
Escrevi a agradecer…mas ele não me voltou a
responder, mas entendi que havia outros meninos a quem tinha de ajudar e fazer
feliz. Ou então, que tinha ido lá para a américa para a sua casa na Disney,
pois teria de ir trabalhar, que era fazer filmes. Não lhe perdi o rasto até
hoje, tenho gravado horas de animações do Pateta, livros, seremos sempre
amigos.
Curiosamente, aos 39 anos, concretizei o meu
sonho de miúdo, ir à Disney, só que, a Paris , não sei quem curtiu mais, se eu,
ou o João Filipe e a Sara. Mas o meu amigo estava lá, e tirámos uma foto
juntos, mas acho que ele não me conheceu (ai a idade)
Acredito que sou o que sou, porque tive um
descumunal amor de Mãe, a vigilância celestial do meu Pai, e um futuro traçado
por Deus, e bons amigos, acima de tudo, muito bons amigos, e roam-se de
inveja…o Pateta foi e é um deles.
Deixo-vos a carta para ler. Às vezes é tão
fácil fazer uma criança feliz.
Coimbra, 28 de Maio de 2012
João Ramos
Adorei! :-)))
ResponderEliminarmuito bom!!!!!!!!
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